Joana C.
Qual a relevância da publicação de textos originais e traduções em psicanálise?
É possível perceber um crescente aumento de editoras de psicanálise com publicações traduzidas para o português de textos originais, sejam do próprio Freud ou de autores como Otto Rank, Ferenczi, Sabina Spielrein, entre outros.
O valor e a importância histórica da publicação desses textos é o de permitir contato com conceitos muitas vezes em estado seminal, em suas primeiras discussões. Textos clássicos que abordam conceitos fundamentais ao serem traduzidos e publicados possibilitam o prolongamento da vida de obras importantes.
A Quina Editora lança dois livros em psicanálise, que proporcionam ao leitor essa experiência:
Psicanálise das neuroses de guerra e
Metas do desenvolvimento da psicanálise
Psicanálise das neuroses de guerra foi a obra que “inaugurou” a editora criada por Freud em 1919. Seu desejo era ter uma independência para as publicações psicanalíticas no pós – Primeira guerra. Então surge o Internationaler Psychoanalytischer Verlag, que fica conhecida por Verlag, e se torna a editora oficial do movimento psicanalítico. À Otto rank foi confiada a direção dessa, e tanto ele quanto Ernest Jones trabalharam de forma incansável nesse projeto, devido as inúmeras dificuldades, principalmente financeiras. A obra inaugural é coletiva: Freud, Ferenczi, Abraham, Simmel e Jones participam dessa primeira publicação de formas diferentes. Alguns dos textos que compõe o livro, se encontram traduzidos de forma direta ou indireta nas obras de Freud e também de Ferenczi. Mas a tradução na íntegra para o português é inédita.
O livro da Quina editora está dividido em duas partes: na primeira encontramos uma introdução escrita por Freud em 1919 para a publicação original, seguida da palestra sobre as neuroses de guerra proferida por Ferenczi no 5° Congresso Internacional de Psicanálise. Ele questiona a concepção orgânico-mecanicista - dos neurologistas da época - para a compreensão e tratamento das neuroses surgidas na experiência da guerra, onde o fator psíquico era completamente ignorado. Na sequência a discussão de Karl Abraham e Ernst Simmel sobre os aspectos levantados na fala de Ferenczi.
A segunda parte abre com uma resenha de 1922 da edição inglesa do livro, que teve uma recepção polêmica. Encontramos também dois textos de Ferenczi sobre as neuroses de guerra, onde ele vai demonstrando que os quadros apresentados pelos soldados, pertencem ao que a psicanálise, naquele momento, chamava de histeria de angústia e histeria de conversão. Além disso, temos uma parte do diálogo entre Freud e o representante institucional da psiquiatria na Áustria, Julius von Wagner-Jauregg, sobre o uso da eletroterapia no tratamento de soldados de guerra.
O livro finaliza com um posfácio muito interessante, contextualizando a posição da psicanálise no panorama político da Primeira Guerra.
O outro livro que a editora Quina traduz é Metas do desenvolvimento da psicanálise – sobre a interação da teoria e da prática. Somente o subtítulo apresenta um desafio enfrentado até hoje, mas que nos primórdios da psicanálise, causaram inclusive algumas querelas entre psicanalistas da época. Nesse livro é possível observar o que foi apontado no início desse texto: o contato com os conceitos e os efeitos e discussões que eles provocaram no desenvolvimento da psicanálise. Publicado pela primeira vez em 1924, a obra de Ferenczi e Rank foi recebida com profundas discussões, inclusive com uma carta de Freud onde aponta seu desacordo sobre algumas ideias ali propostas.
Duas obras muito interessantes que permitem acompanhar a posição da psicanálise e seus desenvolvimentos no momento histórico.
Andréa B. Caldeira Mongeló – Psicanalista membro efetivo Sigmund Freud associação psicanalítica