
Joana C.
Diálogos com o autor Ignácio Paim Filho
Nosso convidado desse mês na sessão Diálogos com o autor é Ignácio Paim Filho.
Ignácio é médico, psicanalista, membro pleno do Centro de Estudo Psicanalíticos de Porto Alegre (CEPdePA) e membro titular e didata da Sociedade Brasileira de Porto Alegre (SBPdePA). Coordenador de seminários e supervisor dos cursos de formação das instituições dos quais é membro.
Colaborador dos livros: Formação Analítica; fatos e versões (CEPdePA, 2010);
Entre Schreber, Freud e a Clínica (CEPdePA, 2012) Narcisismo Reflexo e Reflexões
(CEPdePA, 2014); O Infantilismo da sexualidade (Sulina, 2016); O cheiro do desejo em
cena (2016); Sexualidade (CEPdePA, 2016), Édipo enigma da atualidade
(CEPdePA/Sulina, 2018) e Retornos do Homem dos Lobos (Sulina, 2018).
Coautor (Leite, L. C) de Novos tempos, velhas recomendações; sobre a função analítica
(Sulina 2012) e (Borges, G.) Filicídio: uma introdução (Sulina, 2017). Autor:
Metapsicologia: um olhar a luz da pulsão de morte (Movimento 1.ed. 2014 e 2.ed. 2016);
Inconfidências Metapsicológicas – Das Unheimliche (Sulina, 2019). Racismo: por uma psicanálise implicada (Artes e Eccos, 2021).
Confiram!!!
Andréa Mongeló - Em seu último livro Racismo por uma psicanálise implicada, esse
tema está abordado a partir de muitos vértices: metapsicologia, interlocuções com a
cultura e interrogações voltadas às instituições psicanalíticas. Mas também de
pontuações de caráter autobiográfico. Como é escrever e falar sobre tema, a partir do
seu lugar de psicanalista negro?
Ignácio Paim - Freud (1925) tem uma frase emblemática, que encontramos em sua
correspondência com Mari Bonaparte: “Sem dúvida alguma escrevemos, em primeiro
lugar, para satisfazer algo dentro de nós”. Essa proposição remete a universalidade da
demanda interna inconsciente e consciente, presente em toda a escrita. Nesse sentido, minha escrita, sobre a temática do racismo tem essa dimensão inconsciente, que vai se fazendo cada vez mais consciente, e possibilitando ampliar a inserção da minha negritude nas pautas antirracistas. Dimensões que estão implicadas no meu processo de tornar-me negro, como sujeito e seus desdobramentos no ser psicanalista. Portanto, falar sobre o tema do racismo com suas pegadas autobiográficas – o vivido – é um exercício, para explicitar sua presença em minha história e na história do povo negro, visando trabalhar pelo reconhecimento e responsabilidade do povo branco na sua gênese, estruturação e manutenção, em particular, no território psicanalítico. Diante dessa narrativa evoco a afirmação freudiana de 1912: “Talento e sorte determinam o destino de um homem – raramente ou nunca só um destes poderes”, acrescento a este a necessidade de agregar um terceiro elemento – determinação.
Andréa Mongeló - Como entende a emergência – no sentido de surgimento com força - do tema do racismo na comunidade psicanalítica?
Ignácio Paim - Acredito que os assassinatos de George Floyd e do menino João Pedro M. Pinto, em 2020, que acionaram no mundo, e no Brasil, de forma intensa, por meio do
movimento Vidas Negras Importam, a problemática da letalidade do racismo, no corpo e na alma, com sua relação visceral com a branquitude, também atingiu o universo recluso da psicanálise: a negligência disfarçada de neutralidade entra em colapso. Nesse processo o silêncio secular foi rompido, e a pergunta se faz gigante: as vidas negras importam para a psicanálise e os psicanalistas? Pergunta que tem por emissor principal os analistas negros e negras, que mais do que nunca, tem demandado a tomada de posição antirracistas da comunidade psicanalítica. Questionando a lógica brancocêntrica que impera no universo psicanalítico, explicitado pela quase absoluta ausência da população negra no exercício do ofício de ser analista.
Andréa Mongeló – “O inconsciente não tem cor” foi uma frase muito dita no mundo
psicanalítico. O que ela revela ou encobre na sua percepção?
Ignácio Paim - Revela e encobre o racismo estrutural presente no pensamento
psicanalítico. Como sabemos o racismo estrutural tem três dimensões: a política, a
econômica e a produção de subjetividades. Subjetividades constituídas por uma estética brancocêntrica, universo narcísico, que faz do Eu-Ideal e do Ideal-do-Eu representantes dos valores e princípios erigidos pela hegemônica raça branca. Portanto, dizer que o inconsciente não tem cor faz parte da cumplicidade da psicanálise com a falácia da democracia racial. Essa que visa fazer calar o crime hediondo do racismo à brasileira: apagamento de percepções das verdades históricas... Contexto, que clama por novas percepções sobre a renegação de velhas histórias, que convidam a refletir a psicanálise que temos – racista – em prol da psicanálise que queremos ter – antirracista.
Andréa Mongeló - Os temas da metapsicologia são profundamente abordados em suas obras. Qual a importância para a clínica de nos debruçarmos constantemente sobre eles?
Ignácio Paim - Por vários motivos, talvez o principal, seja que não existe uma genuína
clínica psicanalítica sem o aporte da metapsicologia. Essa, que mantém sua vitalidade,
devido ao constante interrogar da clínica e da ordem cultural, que a incitam a percorrer
novos continentes. É através e por meio dela, que vamos ampliando nossa capacidade de escuta, com suas ressonâncias nos espaços das análises e das supervisões. Tal concepção determina uma pergunta fundamental: qual a metapsicologia que sustenta o analista em seu ofício?
Andréa Mongeló – Agora pode nos contar o livro que está lendo atualmente e um livro marcante para a sua clínica?
Ignácio Paim - Estou lendo no momento dois livros “Sair da grande noite: ensaios sobre a África descolonizada” (Achille Mbembe, 2018), e “A Matriz Africana: Epistemologias e Metodologias Negras, Descoloniais e Antirracistas” (Org. M. C. Alves e O. O. K. J. Pereira de Jesus, 2020)
Para clínica me sinto muito bem acompanhado pelas recomendações freudianos de
1912/1914, conjuntamente com “Análise terminável e interminável” (1937) e “Construções em Análise” (1937). Textos com os quais faço um diálogo no livro: “Novos Tempos, Velhas Recomendações” (I. A. Paim Filho e L. C. Leite, 2012). A estes agrego o livro “Zugrunde Gehen: o trabalho da psicanálise” (L. A. Franchischelli, 2016).
